16 de jan. de 2010


 Árvore, celeiro e pedaços - PARTE I

Por BRUNO


Para ouvir: "Trouble Weighs A Ton" de Dan Auerbach




"...o único ambiente de que o artista necessita é qualquer lugar onde possa obter paz, solidão e prazer a um preço não muito alto".

William Faulkner

Todos os dias, quase que religiosamente, William caminhava pelos arredores da fazenda onde nascera e fora criado. Seu pai a considerava como uma herança maldita de seu avô que começou com a derrota dos sulistas pelos patifes do Norte: perderam-se escravos, regalias e o sentimento de patriotismo do vovô Bill. O Pai não era tão entusiasta desse "sentimento sulista" que acompanhava a família e procurava incessantemente uma maneira de por os negócios novamente nos eixos. Isso era somente uma parte do problema, pois a colheita estava escassa há anos independentemente da estação e faltava pasto para os animais, o que influenciava na produção de alimentos. Segundo ele mesmo, o Pai, se os "engravatados do Norte encher seus bolsos de dólares, que assim seja!" Por outro lado, era conservador ao extremo no que se referia à disciplina no lar e nos costumes, alegando uma ética que não existia para justificar ações incompreensíveis. O Pai, por sua vez, não praticava nenhuma religião. Nunca o achei bom sujeito.

William pouco se preocupava com os acontecimentos políticos. Tão pouco essas coisas de herança que tanto seu pai dizia e que era acompanhado de "maldição" como um sinônimo cuspido. Havia sido inúmeras vezes ameaçado de perdê-la por completo por causa do seu comportamento "arredio e liberal" - palavras do Pai.

O que realmente lhe importava era Candance, a menina mais linda que já vira, filha caçula da família vizinha e a mulher com quem queria se casar e constituir família. O menino estava com 14 anos e já pensava no nome do seu primeiro filho: Jason. Claro que pediria a opinião de sua amada sobre com que nome batizá-lo. Mas não queria menina como primogênita de jeito nenhum. Sempre se atentava ao fato de nunca ter compartilhado seus sentimentos com ela, nunca havia confessado, nem mesmo para os poucos amigos que tivera. Ansiava pelo momento de pedir sua mão por toda a vida, mesmo que os sons das palavras saíssem tremidas pelo balbuciar descontrolado dos lábios.

Candance era muito inteligente e tinha olhos perscrutadores que se indagavam sobre tudo, sem receio de parecerem - os olhos - curiosos demais para os outros olhos (os olhos da gentinha fofoqueira com os cotovelos debruçados nas janelas daquelas choças miseráveis dos arredores)... Quando os recursos da família de Candance se deterioraram com os novos tempos, seu pai, que tinha ao todo cinco belas filhas, tratou de casá-las todas. Somente Candance, por ser a mais nova, se livrou dos votos matrimoniais. Maurie não se importou muito com os destinos das meninas e até casou uma delas com o Benjamin, um calhorda que foi acusado de estupro e que foi inocentado por falta de provas; e dizem até hoje que ele não foi preso por que a vítima era uma negra que servia sua família.

William acreditava que homens de má índole pagariam por tudo no calor do Inferno. Não acreditava nesse mundo porque aqui era lugar de penitência e provação e havia sim um lugar melhor. Neste mundo mesmo. William também não se preocupava com o céu ou com os anjos. Moravam todos bem próximos dali. Numa imensa árvore que emergia do chão seco e grama rala e florescia bem lá no alto onde a luz do luar pairava todas as noites sobre as folhas verdes reluzentes. Quando Candance escalava com ele os galhos da árvore, abertos como braços gigantes a fim de abraçá-los, podiam ver toda a fazenda, o celeiro e os bichos pastando. E quando o sol ficava no meio do céu e os castigava com a alta temperatura, a árvore e seus braços gigantes refrescavam os dois com sua sombra amistosa e William cobria a cabeça da menina com alguma peça de suas roupas para protegê-la do calor intenso.

Ela estava sempre com seus vestidinhos, aparentemente curtos para sua idade. Na verdade, Candance e suas irmãs usavam roupas de tamanho padrão por conta da situação financeira da família, mas era evidente que era ela que se encorpava por dentro das vestimentas. William usava sempre preto - de vez em quando uma camisa branca com um suspensório - e o contraste com o rosto e o contorno roxo de seus olhos pesarosos o deixara com um aspecto misterioso. Mas tinha seu charme e a fama de bonito entre as meninas de cachinhos dourados e trancinhas de todo o vilarejo.

William e Candance não sabiam que fruto dava naquela árvore, mas o cheiro era doce como amora. Era um vício de ambos: cheirar as cores, o vento, a atmosfera e, à noite, identificar o odor das estrelas e dividi-las em constelações.

Candance queria saber que estrela era aquela que tanto brilhava.


Aquela estrala Candance? Aquela estrela... eu acho que é Cisne. Cruz do Norte. Qual deve ser o cheiro dela, hein? Ela brilha bastante, não é? Deve ser a brisa do Universo que a faz cintilar dessa forma. Foi a mãe que disse...

Candance perguntou se a mãe de William estava por ali depois que ela se foi.


Acho que sim, acho. Não é possível que depois de tanto sofrer por aqui não sejamos dignos de estar lá. Mas acho que meu pai não deve ir pra lá. Ele não é tão bom quanto minha mãezinha era.

Candance disse que seu pai também não iria. Nem Laurie, sua irmã mais velha. Porque não era direito o que ela fazia com o Jeff Thompson atrás da casa. Mulher casada não pode se sujeitar a isso. Morando na casa do pai. Que coisa feia! Aquela gemedeira não era digna de fazê-los morar entre as estrelas refrescantes e suas brisas e seus cheiros após se irem daqui.


Houve silêncio.

Candance!

Era o Maurie chamando-a para jantar e dormir.



Continua...
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BRUNO acredita que histórias tristes moldam o caráter



Créditos de imagem: Bildmacherin

10 comentários:

Guilherme Bayara disse...

Texto gostoso.
Quero ler a continuação

Alexandre Terra disse...

mt bom seu blog, adorei o texto, prendeu minha atençao de uma forma...

Esther Saldanha disse...

Bela e envolvente, além de muito bem escrita. Tens domínio sobre as palavras mocinho ;]
Parabéns

Gutt e Ariane disse...

É Bruno, o projeto do blog pode ser novo, uma nova proposta e tudo mais, mas, o talento para a escrita é autêntico, único!
O texto flui muito bem; Quando se começa a ler, tanto faz o tanto de linhas que possui...

De boua S.A. disse...

Ansioso pela continuação cara

Renato Tarantelli disse...

Excelente post! Excelente blog!

Parabéns!

Anônimo disse...

Nossa, que riqueza de detalhes! Você está de parabéns, espero pela continuação.

Se puder, dá uma passadinha no meu blog: http://tacadesabedoria.blogspot.com

Pode me avisar quando sair a parte II por comentário no meu blog? Estou super interessada.

Mandy disse...

Já comecei gostando pela citação!

Gostei muito dessa parte do texto: "William acreditava que homens de má índole pagariam por tudo no calor do Inferno. Não acreditava nesse mundo porque aqui era lugar de penitência e provação e havia sim um lugar melhor. Neste mundo mesmo. William também não se preocupava com o céu ou com os anjos. Moravam todos bem próximos dali. Numa imensa árvore que emergia do chão seco e grama rala e florescia bem lá no alto onde a luz do luar pairava todas as noites sobre as folhas verdes reluzentes. "

Depois voltarei para continuar a conferir a história...
^^
obrigada pelo comentário lá no Sook... Volte mais vezes amore!!!
BjO

Kellen disse...

Muito motivador e inspirador!

Abraço
Kellen
http://wwww.meumundoamigo.blogspot.com

FabioZen disse...

Que bom ver o valoroso Brunão em grande forma e com um certo experimentalismo de formas e estilos.Gostei mesmo,e volto logo.

Banquete com Mendigos II
http://oficinamissoes.blogspot.com/

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